Se você ama apreciar suas séries nos mínimos detalhes, The Crown é para você. Se você gosta de série histórica, The Crown é para você. Se você preza por uma estética primorosa, The Crown é para você. Se você gosta de assistir séries com protagonismo feminino, The Crown essencialmente é para você.
A mais nova produção original Netflix já havia mostrado que não viria para brincadeira, quando o serviço de streaming divulgou ter gastado mais de US$ 130 milhões para produzi-la. A expectativa em relação à sua estreia era grande e, sem dúvidas, ela chegou mostrando a que veio!
Com abertura pomposa, a série de Peter Morgan – que já trabalhou com a monarquia no filme vencedor do Oscar A Rainha, se passa entre o final da década de 1940 e início de 1950 e narra o início do reinado da Rainha Elizabeth (Claire Foy), que é atualmente a mulher há mais tempo no poder no mundo.
O caminho ao poder
Antes de tornar-se Rainha, quem estava no poder era seu pai, Rei George VI. O rei interpretado por Jared Harris é, sem dúvidas, um dos destaques do primeiro episódio. Ele chegou ao poder inesperadamente por conta de um dos maiores escândalos da monarquia britânica – seu irmão mais velho e rei, Edward VIII renunciou ao poder para casar-se com Wallis Simpson, uma americana divorciada – e mostrou ter pulso suficiente para lidar com todas as obrigações que seu irmão havia sido preparado para arcar.
Pai de duas filhas, o poder ficaria para a mais velha delas: Elizabeth. George tem sua saúde comprometida e em 1952 começa a preparar sua filha para assumir o trono. Ver como a família real lida com o problema de saúde de George – que está com câncer no pulmão é desconfortável. A doença é negligenciada por todos a sua volta, sempre na intenção de não transparecer fragilidade. Rei frágil não é rei!
Acontece que, majestosamente, George sabe que não terá mais muito tempo de vida e no natal daquele ano já demonstra um ensaio de despedida, encenando um dos momentos de maior emoção do piloto. Este início da história se apresenta em um ritmo lento e detalhado. Não sabemos ao certo se a temporada inteira será assim, mas os mais acostumados com tramas intensas e cheias de reviravoltas vão sentir um pouco mais o peso desta lentidão.
Protagonismo feminino
É claro que uma série que tem como pano de fundo a ascensão de uma mulher ao poder em um dos países mais importantes do mundo vai falar sobre empoderamento feminino. Evidenciando os louros e deveres de uma família monárquica, o processo para a chegada de Elizabeth é mostrado, na maior parte do tempo, através da perspectiva da futura rainha e do seu marido, Philip. Os primeiros episódios já deixam claro que a dinâmica entre o casal pode nortear a narrativa como um todo.
Mesmo claramente apaixonados – e não em um casamento arranjado, como podemos imaginar quando se trata da realeza – os conflitos em relação à renúncia de sua carreira como oficial da Marinha Britânica para tornar-se Duque de Edimburgo, mostra um pouco do que Philip precisou abdicar para casar-se com Elizabeth.
Hierarquicamente, Philip sempre esteve abaixo de sua mulher. Se hoje, em pleno 2016, ainda é tabu um homem ter menos poder social do que uma mulher, imagina como foi lidar com isso na década de 1940/1950. Daí, a gente consegue entender o porquê de Elizabeth ter feito questão de incluir que além de respeitar e amar o seu marido, ela iria obedecê-lo em seus votos de casamento. A cena causa um desconforto imediato a qualquer pessoa que já tenha desconstruído questões de gênero dentro de si, mas logo percebemos que ali há uma tentativa meio desesperada de apenas deixar os fatos mais brandos em relação à masculinidade de Phiplip. E, cá pra nós: tá na cara que ela não pretende obedecê-lo.
Como uma boa série que retrata o passado, vemos intrigas políticas e a representação de aspectos históricos em abundância. A verdade é que tudo isso nós já vimos em alguns outros shows, mas The Crown pode se destacar por traçar essa perspectiva a partir de uma personagem feminina.
Conquistou o público ou não?
As primeiras impressões evidenciam que cada centavo gasto valeu a pena, mas por se tratar uma história relativamente recente, The Crown acaba tendo que lidar com o desafio de segurar o espectador não pelo enredo em si, que já é conhecido do público. Por que então assistir a uma série cujo final você já conhece de antemão?
É aí que a The Crown parece crescer, pelo menos a se julgar por esses primeiros episódios: a precisão história permeada pelo detalhamento da situação da família real que, apesar de real, é composta por mortais assim como eu e você é um deleite aos nossos olhos.
É certo que quando se tira do público o fator surpresa, é preciso entregar outros motivos para acompanhar o show de outras formas. E, neste quesito, The Crown também não decepcionou: é o primor estético aliado à sensibilidade ao relatar a trajetória desta mulher ao poder que acaba por diminuir o fato de o público não contar com grandes surpresas em se tratando do roteiro. Temos, assim, uma série que foca em seu desenvolvimento enquanto narrativa muito mais do que em possíveis surpresas ou viradas inesperadas de roteiro que, aqui, não são cabíveis.
É possível que parte do público considere o show um tanto quanto lento, afinal, episódios de uma hora sem climax e surpresas em tempos de desatenção como estes não são para qualquer um, mas alguns seriados não vão mesmo se encaixar nesse padrão necessariamente ágil. The crown é para ser degustada e, sim!, definitivamente merece ser vista.
Vida longa à rainha, vida longa à The Crown!